sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A pauleira resiste

O heavy metal mineiro comemora 30 anos com lançamento de livro da Cogumelo Records

Faça esse teste quando viajar ao exterior. Pergunte a seus novos amigos gringos, latinos, europeus ou asiáticos: “O que você conhece do Brasil?”. Permita-se a surpresa de ouvir, entre as clássicas palavras-chave “samba”, “Pelé” e “carnaval”, o nome de uma das bandas mais importantes da história do heavy metal: Sepultura. Nascido no Bairro Santa Tereza, a poucos metros do Clube da Esquina, o grupo foi o grande responsável, junto aos amigos paulistas do Ratos de Porão, por projetar, nas décadas de 1980 e 1990, o metal brasileiro para o mundo. 

Apesar de sua inegável relevância histórica e sonora, a trupe dos irmãos Cavalera e dos amigos Paulo Jr. e Jairo Guedz não navegava em um barco solitário. O Sepultura era produto de uma das mais calorosas e férteis cenas musicais da capital mineira, que gerou bandas igualmente simbólicas. É uma lista extensa, que começa com o Sagrado Inferno, formado em 1983 e considerado o primeiro grupo de metal em Minas, e passa por nomes como Chakal, Overdose, Sarcófago, Witchhammer, SexTrash, Holocausto, The Mist e Mutilator. Ao lado de São Paulo, BH passou a despontar como a maior exportadora de metal tupiniquim. Tudo graças a um importante elo que mantém abastecida, até hoje, a produção mineira e nacional: a gravadora Cogumelo Records.

Fundada em 1980 pelo casal João Eduardo de Faria Filho e Creuza Pereira de Faria, mais conhecida como Pat, a emblemática loja de discos transformou-se, cinco anos depois, no selo responsável pelos discos mais importantes do metal nacional, agregando bandas do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo, Bahia e Paraná. Em BH, irrompeu uma verdadeira revolução sonora e comportamental com a safra de álbuns que vieram após 1986, ano que marcou o lançamento da coletânea Warfare Noise e do épico Split LP, que trouxe, de um lado, o primeiro disco do Sepultura, Bestial Devastation; e de outro, o debut do Overdose, Século XX. Notória descobridora de tesouros, a gravadora continuou seu trabalho nos anos subsequentes projetando bandas como Drowned, Eminence, Hammurabi, Lustful, Thespian e Pathologic Noise.

 Veja aqui a galeria de fotos com as melhores bandas de Heavy Metal de BH 
 Celebrando três décadas de atividades, a Cogumelo lançou, em junho deste ano, seu primeiro registro escrito: o livro Cogumelo 30 anos. Com 197 páginas e publicado de forma independente, o trabalho consiste num apanhado de textos, imagens e recortes históricos, além de todo o catálogo da gravadora em detalhe. Um verdadeiro baú de memórias, que salta aos olhos dos camisas-pretas das antigas e serve como guia para os aspirantes a metaleiro. “A Cogumelo representou a alavanca que impulsionou o heavy metal mineiro e nacional. Continuamos a fazer o nosso papel, que é exclusivamente o de sempre apoiar a música pesada. Foi sempre a nossa opção e o nosso diferencial em relação a outras gravadoras brasileiras”, conta João Eduardo.

Para seguir na jornada, João e Pat tiveram que superar uma série de adversidades, como os reflexos da Ditadura Militar e da instabilidade econômica do país. “Nossa maior surpresa foi ver que o velho regime ainda estava vivo à espreita. Tínhamos que submeter o trabalho dos músicos à censura e, muitas vezes, usar a criatividade para conseguir lançar os discos”, recorda João. Com a crise do petróleo e sem estúdios, as primeiras gravações beiravam a precariedade, fator que se voltaria a favor da Cogumelo, uma vez que esses registros pioneiros, conhecidos pela crueza e a ferocidade, são os mais procurados pelos fãs atualmente.
 Outra barreira foi o estranhamento com a temática e o conteúdo das músicas, que levaram, em muitos casos, lojistas e investidores a fazer pouco caso da gravadora. Mas já era esperada a reação equivocada e até preconceituosa dos desavisados ao peso das composições e às temáticas ligadas ao ocultismo e ao sobrenatural – ainda mais na tradicional Belo Horizonte. “A gente entrava nas lojas com nossos discos debaixo dos braços e só ouvia risada”, diz João. Contudo, a capacidade do gênero de se reinventar e superar obstáculos, bem como o crescimento das vendas e do prestígio da gravadora, provou que o casal mineiro acertou na escolha do gênero. 
 O caprichado Cogumelo 30 anos une-se a outros esforços midiáticos em prol do resgate histórico do metal mineiro e nacional, como os filmes Ruídos das Minas (2010), que perpassa toda a história, os desafios e conflitos do metal “das gerais”; e Brasil heavy metal (2010), que aborda de forma ampla as raízes da pauleira nacional nos anos 1980. O livro-catálogo da gravadora de BH não se atém ao passado – pelo contrário. Na era dos iPods e das crises na indústria fonográfica, a produção de novos materiais segue firme e comprova o poder de mutação do metal, apontado pelo jornalista Arthur G. Couto Duarte na introdução da obra: “Para detratores, uma antimúsica, mas visões pejorativas jamais impediram seus artífices de arregimentar providenciais contra-ataques, de quebrar as regras do jogo”.

Reinventando a roda

Há quem diga que, a partir de meados dos anos 1990, o metal mineiro experimentou o declínio com hiatos e separações de bandas e com discos fracos e sem apelo comercial. A redenção teria vindo a partir da década seguinte, com novos grupos e propostas musicais inovadoras, rendendo uma produção aquecida que persiste até hoje. Apesar de o Drowned ser um icônico representante do metal mineiro dos anos 2000, o baterista Beto Loureiro não concorda que uma fase se sobreponha a outra. “Nunca vi o metal aqui em queda, mas claro que tivemos  momentos bons e ruins. O que acontece é que sempre rola uma renovação de bandas e público, o que, na verdade, é muito bom.”

Com 12 álbuns na bagagem, sendo o último o elogiado Belligerent (lançado em duas partes, em 2011 e 2012), o Drowned mostra que os grupos antigos se reinventaram para fazer frente às mudanças do público e evitar que caíssem na mesmice. “Hoje, o público é mais cabeça aberta e menos radical do que já foi há alguns anos. E, é claro, temos mais facilidade em conhecer novas bandas graças à  internet, o que abriu portas para grupos menores, que não têm gravadora para distribuir seus discos”, explica.

O Hammurabi começou assim, em 2006, lançando de forma independente a demo Submersos e, dois anos depois, o disco de estreia Shelter of Blames. O trânsito fácil no ambiente on-line e a determinação dos músicos levaram a banda a se destacar como uma das principais novidades do metal mineiro contemporâneo, classificada pelo baixista do Sepultura, Paulo Jr., como a revelação da música pesada brasileira em 2010. O esforço resultou no competente The extinction root, lançado em 2012 pela Cogumelo Capa do disco do Sepultura - Bestial Devastation

Apesar de reconhecer que os avanços tecnológicos facilitaram os processos de gravação e divulgação, o vocalista, guitarrista e fundador da banda, Daniel Lucas, pontua que o metal exige seriedade e compromisso, como qualquer outro trabalho. “Sempre prezamos pela qualidade em tudo que fazemos. Acredito que isso abriu um precedente para que outras bandas também buscassem a excelência. Talvez seja esse o nosso papel nesse contexto”, defende.  
 Porém, nem tudo são flores. Em relação à quantidade de espaços e casas de shows dedicados ao gênero, João Eduardo considera que BH retrocedeu. “Não existe, hoje, um espaço aberto para atender ao público de heavy metal em BH. Com o fechamento do Lapa Multshow, ficamos sem opção para fazer eventos de médio porte. Pelo menos, conseguimos realizar shows no Music Hall e no Stonehenge, que abriram espaço para o metal este ano”, afirma.
 Sobre a dúvida se BH ainda sustenta o título de capital do metal, João rechaça: “Essa história é conversa fiada”. Daniel Lucas concorda em partes, mas pondera. “BH sempre vai ser o berço do metal, onde tudo começou, mas não é ‘a capital’. Faltam incentivo, estrutura e público. Temos grandes bandas, uma ótima qualidade nos trabalhos e a chancela da Cogumelo, mas a cidade está fora do circuito, tanto underground quanto mainstream.”
 Polêmicas à parte, todos concordam em um aspecto: o heavy metal das Gerais sobrevive e sustenta bem mais que um gênero musical, mas um sólido alicerce da contracultura que segue conquistando devotos cabeludos e maltrapilhos. Quase como um grito dos excluídos – ou um berro, como preferir. “É difícil de explicar. Esse som é viciante. É um escape, uma paixão eterna. Em essência, é um estilo de vida”, conclui Daniel Lucas.


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